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DBT e Câncer: Como a Terapia Comportamental Dialética Pode Ajudar no Enfrentamento Emocional da Doença

Escrito por: Camila Buttignol


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O Impacto Emocional do Diagnóstico de Câncer


Receber um diagnóstico de câncer é uma experiência transformadora e, muitas vezes, avassaladora. O paciente pode enfrentar uma ampla gama de emoções ,incertezas em relação ao futuro, desafios com o tratamento e  mudanças na rotina, que  podem impactar significativamente a saúde mental. Cerca de 15,5 milhões de americanos convivem com a doença e o INCA (Intituto Nacional do Câncer) estima que  haverá 704 mil casos por ano no Brasil até 2025.


Segundo Chochinov (2012):

“A “perda da dignidade” é a razão mais comum de sofrimentos em 57% dos casos. Há perda no desejo de viver, tornando-se mais deprimidas, sem esperança e ansiosos, e expressam mais desconfortos e dores incontroláveis(...). A perda da esperança no avanço da doença está relacionada com as ideações suicidas, escolha pelo suicídio assistido e a eutanásia na Europa e nos EUA” (Chochinov, 2012, pp. 3-20  )


A dor  e a desperança, pode deixar o paciente mais suscetível à depressão e à ansiedade e ao distresse psicológico. As respostas emocionais mais comuns são o medo, a tristeza e a raiva, que nem sempre são visíveis, porque podem estar encobertas por emoções secundárias e reações emocionais como a catastrofização e esquiva emocional, com consequências também a nível cognitivo e comportamental. 


O Que é a Terapia Comportamental Dialética (DBT)?

A Terapia Comportamental Dialética (DBT) é uma abordagem baseada em evidências que combina estratégias cognitivo-comportamentais com elementos da aceitação e mindfulness, regulação emocional, tolerância ao mal-estar e efetividade interpessoal. Inicialmente fora desenvolvida para o tratamento do transtorno de personalidade borderline, mas a DBT tem se mostrado eficaz em diversas condições que envolvem desregulação emocional e sofrimento psicológico intenso e generalizado. Linehan e Stuntz(2022), criaram um programa de Enfrentamento ao Câncer baseado em DBT, no intuito de sempre encontrar uma maneira de ajudar o maior número de pessoas. 


Como a DBT Pode Ajudar Pacientes com Câncer

A DBT oferece ferramentas valiosas para lidar com o impacto emocional da doença. Algumas estratégias fundamentais incluem a combinação a aceitação e a dialética, sobretudo o Mindfullness: prestar atenção cuidadosa entre as emoções, pensamentos e o corpo para entender suas respostas e ver os pontos de curto-circuito para retomar o equilíbrio. O Mindfullness, pode ajudar a diminuir a depressão, a ansiedade e o estresse, minimizando as dificuldades com o sono e fadiga, e melhorando a qualidade de vida. 

 Poder lidar com a dicotomia- “ser forte, calmo ou fraco e sem controle” (preto e branco) ou “se sentir preocupado e ao mesmo tempo ter esperança; se defrontar com o que está acontecendo e mudar a forma como lida com isso”, são exercícios que levam à Aceitação Radical, conceito importante na DBT. A aceitação vem em pequenas gradações quando é possível se aproximar da percepção necessária para tomar decisões informadas sobre a vida e o tratamento ( Chochinov, 2012, p. 23). 

 O trabalho com a Mente Sábia contribui para realizar escolhas sábias que precisarão ser feitas durante o tratamento. Praticar habilidades de Autoencorajamento, Autoinstrução e Antecipação efetiva, podem colaborar aos momentos que necessitarão descrever, nomear, verificar fatos, além de regular as emoções, em consonância com outras práticas como a de Autoacalmar-se, distração, emoções positivas, gratidão e trabalho com imagens mentais. Para os momentos em que seja necessário tolerar o mal-estar, as técnicas STOP, Respiração Compassada. Relaxamento muscular pareado, são imprescindíveis. Já as habilidades de Efetividade Interpessoal- DEAR MAN, GIVE, FAST podem proporcionar o cultivo de relações positivas, conexões apoiadoras, e comunicação efetiva, sobretudo nas conversas médicas e nas notícias difíceis. 

O estágio de mudança da DBT com pacientes com câncer pode ser delimitado quando o paciente tem a possibilidade de viver de forma mais significativa, conectando-se com o que é significativo, compartilhando valores

A Aceitação radical, com o Meio sorriso e as Mãos dispostas, trazem a sensação de se sentir parte de algo maior, e o seu próprio coração com a aplicação da bondade amorosa, vão construindo um senso de autonomia possível e de continuidade de existir. 


A DBT para Cuidadores e Familiares de Pacientes Oncológicos

Não são apenas os pacientes que enfrentam desafios emocionais; cuidadores e familiares também passam por altos níveis de estresse. A DBT pode fornecer ferramentas para fortalecer o bem-estar emocional desses indivíduos, ajudando-os a equilibrar o cuidado com a própria saúde mental. O processo de adoecimento pelo câncer afeta indubitavelmente as famílias que vivenciam o cotidiano do tratamento de maneira intensa, passando, inclusive, por “modificações e reorganizações em sua estrutura para suprir as demandas do parente em acompanhamento” (Costa e Ceolim, 2013). 

 Além disso, ressalta-se que o câncer possui um estigma social de doença incurável e, nesse cenário, “as expectativas dos familiares de seus portadores são abaladas e afetadas pelo sentimento de temor frente às experiências indesejadas que terão que viver” (Capello et al, 2015).  As famílias deparam-se, portanto, com estigmas e mitos relacionados ao câncer que permeiam o imaginário social, provocando impactos negativos no processo de aceitação da doença. E isso tem alto custo, considerando-se que os familiares são peça fundamental para a assistência aos seus portadores. O diagnóstico do câncer frequentemente causa um choque que é percebido pelo desespero dos familiares que “acreditam ser esta uma doença incurável e com relação incontestável com a morte” (Silva et al, 2015). 

Para a DBT, é possível enfrentar as situações escolhendo se manter aberto a outras possibilidades e pontos de vista. É possível ter formas de lidar com um diagnóstico, entender as respostas e reações que não são incomuns e responder de uma forma mais equilibrada. Tomar decisões efetivas, confiar na sabedoria inerente que existe em nós, manejar as emoções mesmo tendo que conviver com uma montanha-russa de emoções intensas e seus impactos estressores. É imprescindível se munir de estratégias para melhorar a comunicação, fazer valer suas necessidades e ao mesmo tempo proteger suas relações e o autorrespeito, com fontes variadas de significados profundos e conforto. Manter a Mente Sábia, buscando o Caminho do meio, a observação da experiência emocional e a nomeação das emoções, tornam-se fundamentais na tomada de decisões efetivas e na busca por significados profundo e conforto.


Evidências Científicas: A DBT no Cuidado Oncológico

Estudos recentes apontam que a DBT pode ser benéfica para pacientes oncológicos, contribuindo para a redução de sintomas de depressão, ansiedade e sofrimento emocional, e sabemos que ela pode ampliar ainda mais para “uma vida que vale a pena ser vivida”, com ou apesar do câncer. Ainda são poucas as pesquisas, mas além da obra de Linehan e Stuntz(2022), “Enfrentando o câncer com a DBT” ( Dialethycal Behavior Therapy), temos os estudos de Axelrod,S.(2018) sobre Aceitação Radical- a DBT e o Câncer, os de Sutfin,E.L., et al. (2024), sobre a DBT como uma intervenção breve em pacientes com câncer que fumam. 


Conclusão: A DBT Como Ferramenta Poderosa no Enfrentamento do Câncer


A DBT não é apenas uma terapia para transtornos psiquiátricos; é uma abordagem que pode oferecer suporte essencial para qualquer pessoa que enfrente sofrimento emocional significativo, incluindo pacientes oncológicos e seus familiares, embora o paciente oncológico esteja suscetível a transtornos depressivos, de ansiedade e de estresse. Ao integrar habilidades de mindfulness, regulação emocional e tolerância ao mal-estar, essa abordagem possibilita uma melhor qualidade de vida, mesmo diante dos desafios impostos pelo câncer. A filosofia e estratégia Dialética traz lições valiosas sobre escuta, reconhecimento de que é aceitável sentir dor, tristeza e outras emoções difíceis, nomear sentimentos e assim, incitar mudanças também no sentido de  integrar opostos: aceitar o sofrimento e ainda assim ter forças para transformar algo da realidade! 


REFERÊNCIAS: 


Axelrod,S.(2018). Axelrod, S. (2018). Radical acceptance: Dialectical behavior therapy and cancer. Cancer Health. Recuperado de https://www.cancerhealth.com/article/radical-acceptance-dialectical-behavior-therapy-cancer-profile-seth-axelrod.

BREITBART, W.; ALICI, Y. Psychosocial Palliative Care. Oxford: Oxford University Press, 2014.

Capello EMCS, Velosa MVM, Salotti SRA, Guimarães HCQCP. Enfrentamento do paciente oncológico e do familiar/cuidador frente à terminalidade de vida. J Health Sci Inst. 2012[citado em 2015 nov. 12];30(3):235-40. Disponível em: http://www.unip.br/comunicacao/ publicacoes/ics/edicoes/2012/03_jul-set/V30_n3_2012_p235a240.pdf

CHOCHINOV, H. M. Dignity Therapy: Final words for final days. New York. Oxford University Press, 2012.

Costa TF, Ceolim MF. A enfermagem nos cuidados paliativos à criança e adolescente com câncer: revisão integrativa da literatura. Adv Health Psychol. 2013[citado em 2016 jan. 05];21(1):49-54. Disponível em: https:// www.metodista.br/revistas/revistas-metodista/index.php/MUD/article/ view/4060/3645

National Comprehensive Cancer Network [Internet]. Plymouth Meeting (PA): NCCN; c2022. Distress management; [cited 2020 Nov 2]. Available from: https://www.nccn.org/guidelines/guidelines detail?category=3&id=143

Silva AF, Issi HB, Motta MGC. A família da criança oncológica em cuidados paliativos: o olhar da equipe de enfermagem. Ciênc Cuid Saúde. 2011[citado em 2015 nov. 23];10(4):820-7. Disponível em: http://eduem.uem.br/ojs/ index.php/CiencCuidSaude/article/download/18328/pd

Stuntz e Linehan, 2022. “Enfrentando o câncer com a  DBT”  ( Dialethycal Behavior Therapy). Porto Alegre: Artmed. 

Sutfin, E. L., et al. (2024). Dialectical Behavior Therapy Skills Training as a Brief Intervention for Patients with Cancer Who Smoke: A Scoping Review. medRxiv. https://doi.org/10.1101/2024.10.13.24315419.


Sobre a Autora:

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Camila Buttignol é Doutoranda em psicologia, mestre em Saúde Mental, Especialista em Terapia Comportamental Dialética (DBT). Psicóloga Clínica e Hospitalar, Docente e supervisora, com experiência na formação de profissionais da psicologia e na promoção da saúde mental em diferentes contextos.


 
 
 

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