Transtorno de Personalidade Borderline em Homens
- Gleidna Santos
- 25 de set.
- 5 min de leitura

O Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) é mais comum do que muitos imaginam, com prevalência comunitária estimada entre ~1% e 6%, a depender do método diagnóstico (por ex., 5,9% em amostra representativa nos EUA) (Grant et al., 2008; Qian et al., 2022). Trata-se de um transtorno grave, marcado por impulsividade, instabilidade afetiva e dificuldades interpessoais — razões frequentes de busca por tratamento (American Psychiatric Association, 2013/2022; Chapman & Lynch, 2024).
Historicamente, o TPB foi percebido como “mais feminino” devido ao viés de amostras clínicas (mulheres são maioria nos serviços especializados), embora estudos de base populacional não encontrem diferenças robustas de prevalência por gênero (Sansone & Sansone, 2011; Grant et al., 2008; Bozzatello et al., 2024). Essa discrepância clínica vs. comunitária ajuda a explicar a invisibilidade de homens com TPB e o subdiagnóstico nesse grupo.
Por que há tão pouco material sobre TPB em homens?
Viés nas amostras clínicas: serviços especializados recrutam mais mulheres, gerando literatura desbalanceada, enquanto inquéritos comunitários mostram prevalências semelhantes por gênero (Grant et al., 2008; Sansone & Sansone, 2011).
Expressão sintomática diferente: homens tendem a externalizar sofrimento (agressividade, risco, uso de substâncias), o que favorece rótulos equivocados (p.ex., traços antissociais) e atrasa o reconhecimento da desregulação emocional (Bozzatello et al., 2024; Mancke et al., 2015).
Estigma de gênero: normas de masculinidade dificultam admitir vulnerabilidade e buscar ajuda — muitos homens chegam primeiro a serviços legais/reabilitação por transtornos por uso de substâncias (TUS), não à psicoterapia de base (Grant et al., 2008; Eaton et al., 2011).
O conjunto desses fatores favorece subdiagnóstico, abandono precoce e desfechos evitáveis, incluindo maior risco de mortalidade por suicídio entre pessoas com TPB (Temes et al., 2019).
Como o TPB costuma se manifestar em homens
Não existe um “TPB masculino”. Ainda assim, revisões recentes apontam tendências mais frequentes em homens com TPB:
Agressividade/explosões de raiva e impulsividade mais pronunciada (Bozzatello et al., 2024; Mancke et al., 2015).
Comportamento autolesivo presente (frequentemente menos visível, como bater no próprio corpo), com elevada co-ocorrência de Transtorno por Uso de Substâncias (TUS) e traços antissociais/narcísicos (Grant et al., 2008; Bozzatello et al., 2024).
Menor busca de ajuda/maior abandono quando comparados a mulheres em alguns cenários clínicos (Bozzatello et al., 2024).
Essas diferenças não explicam o sofrimento, apenas ajudam a reconhecer sinais que, em homens, podem passar despercebidos.
Fatores de risco e origens: o que é parecido entre os gêneros
A etiologia do TPB é multifatorial (biológica, desenvolvimental e social). Traumas precoces, negligência emocional e ambientes familiares inconsistentes elevam risco — em meninos e meninas (Ellison et al., 2018; Qian et al., 2022).
Comorbidades: por que elas dificultam o diagnóstico
Homens com TPB frequentemente chegam ao tratamento por problemas secundários, sobretudo álcool e outras drogas. Em amostra nacional, a presença de TPB foi expressiva entre pessoas com transtornos de humor, ansiedade e TUS (17,2%, 14,8% e 9,5%, respectivamente), evidenciando a complexidade comórbida (Grant et al., 2008; Eaton et al., 2011).
A co-ocorrência com TUS e traços externalizantes pode mascarar o quadro e exige planos integrados (saúde mental + dependência química), sob risco de rotatividade terapêutica e pior prognóstico (Høye et al., 2021).
Risco de comportamento autolesivo e suicídio
Altas taxas de comportamento autolesivo não suicida (CASIS) são documentadas no TPB (muitas revisões indicam ~65–80%), bem como risco aumentado de mortalidade por suicídio ao longo da vida (Brickman et al., 2014; Soloff et al., 2000; Jørgensen et al., 2024; Temes et al., 2019).
Se você estiver em risco imediato: no Brasil, ligue 192 (SAMU) ou 188 (CVV).
Como a DBT ajuda e por que é considerada tratamento de referência
A Terapia Comportamental Dialética (DBT) é uma das abordagens psicoterápicas com melhor evidência para TPB, reduzindo gravidade de sintomas e comportamentos-alvo (por exemplo, autolesão) quando comparada a tratamento usual (TAU) /controle ativo, ainda que com tamanhos de efeito modestos e heterogêneos (Storebø et al., 2020; Cristea et al., 2017; Setkowski et al., 2023). A DBT ensina habilidades de regulação emocional, tolerância ao mal-estar, atenção plena e efetividade interpessoal, com estrutura de suporte e coaching para crises (Linehan; sínteses em Cristea et al., 2017; Storebø et al., 2020). Para homens com TPB, recomenda-se ênfase em manejo de raiva, prevenção/tratamento de TUS e estratégias de engajamento para reduzir abandono (Storebø et al., 2020; Bozzatello et al., 2024).
O que profissionais e familiares podem fazer hoje
Reconhecer sinais além do estereótipo (externalização ≠ “má índole”): considere desregulação emocional e avalie com instrumentos adequados (Bozzatello et al., 2024).
Validar e acolher: reduzir defensividade abre caminho para mudança — princípio central em DBT (Storebø et al., 2020).
Avaliação abrangente: investigar trauma, TUS e outros eixos de comorbidade para um plano integrado (Grant et al., 2008; Eaton et al., 2011).
Intervenções integradas: DBT + tratamento para dependência quando necessário (Høye et al., 2021).
Promover representatividade: produzir e divulgar materiais focados em TPB em homens para reduzir estigma e ampliar acesso (Bozzatello et al., 2024).
Vozes dignas: por que essa pauta importa para a DBT Paraná
Quando homens com TPB são invisibilizados, perdemos oportunidades de intervenção precoce, redução de danos e recuperação. A DBT Paraná se compromete com cuidado baseado em evidências e respeito à dignidade de todos os pacientes, homens e mulheres, que convivem com TPB.
Se você precisa de orientação, entre em contato pelas nossas redes (Instagram @dbtparana) ou pelo site para informações sobre avaliação e grupos.
Referências
Bozzatello, P., Riccardi, S., Gaviria, A. M., Gentile, P., & Bellino, S. (2024). Gender differences in borderline personality disorder: A narrative review. Frontiers in Psychiatry, 15, 1339513. https://doi.org/10.3389/fpsyt.2024.1339513 PMC
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